sexta-feira, 15 de abril de 2016

Videogames e Família (3)

"Vocês precisam jogar de 2". "Vocês tem que jogar de 2".
As frases acima (e algumas variantes) da minha mãe me assombraram por anos. Uns 2 anos, pelo menos. Com o tempo, descobri que todas as mães inventaram a ideia ao mesmo tempo...
O amigo leitor mais novo, talvez acostumado a jogos de luta, de corrida ou de tiro em primeira pessoa não saiba que a maioria esmagadora dos jogos de Atari era de um só jogador. Pac Mac era orgulhoso e não aceitava ajuda, assim como a nave do River Raid, o atleta de Decatlhon, o Pitfall (claro que esse não era o nome do personagem, mas todo mundo chamava ele assim). Os poucos jogos contra, mais ao estilo Pong, rapidamente se tornariam desinteressantes para quem perde sempre. Óbvio.



Mas nenhuma mãe parecia querer entender isso. O argumento de jogar junto era repetido ad nauseam, como se isso fosse fazer o código do jogo magicamente se transformar em uma aventura cooperativa pela Terra Média. Eu era particularmente vítima disso.
Eventualmente minha irmã começou a (ufa !) se desinteressar pelo Atari e eu tinha alguma paz para jogar. Alguma, pois o orgulhoso do meu pai simplesmente não deixava o console ficar em casa. Ele (o console, não meu pai) morava com minha tia Ruth. Isso significava ter que ir até lá (era a casa ao lado) e pedir para jogar toda vez. Claro que ela deixava sempre, mas era uma barreira completamente desnecessária para o merecido lazer de um moleque que nunca deu nenhum problema com estudos e lições de casa.

A vingança, no entanto, veio. E não era um prato frio, mas um forno bem quente. Um sábado qualquer, eu atravessava a cozinha para justamente ir jogar Atari e notei minha mãe em um pouco usual corre-corre na cozinha. Perguntei:
- Mãe, o que está acontecendo?
- Correria, filho. Estou terminando a calda para colocar no bolo que está assando, e depois tenho que colocar esse pão - disse ela apontando para uma massa comprida que aguardava na pia. 
E então, o mundo se iluminou para mim.
- Mas mãe, não dá para assar de dois?
- Como assim?
- Assar de dois, mãe. Coloca os dois no forno juntos!
- Não pode, filho. Claro que não.
- Como não pode?! Tem que dar para assar de dois!
O olhar da compreensão se instalou nela. As mãos estavam paralisadas. Era a hora de finalizar.
- Vai logo, mãe. É a vez do pão. Tira o bolo agora e coloca o pão. Não importa se vai estragar o bolo, é a vez do pão!
Ela moveu os lábios alguns segundos e então disse, em tom baixo, com um olhar carregado de culpa.
- É isso que você estava tentando dizer esses anos todos sobre o Atari?
- Éééééééé !
- Puxa, mas...
- Exato mãe. O aparelho não foi feito para "jogar de 2" assim como o forno não pode "assar de 2". E tirar algo do forno no meio, assim como interromper uma partida no meio, estraga a coisa. Agora você entendeu?
- Entendi sim. Desculpa, filho.
- Aceito as desculpas se você explicar isso para o pai.
- Não força.
Ok, ela tinha retomado o autocontrole. Fui embora jogar, mas nem lembro como foi. Estava saboreando o bolo da vitória.
Ou teria sido o pão da vitória?

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