quinta-feira, 25 de junho de 2015

O Haiti é aqui

Qualquer um que more em São Paulo identifica-se de imediato com a essa afirmação. O que noto e inspira este post é o que vem depois dessa afirmação. Em geral, umas das duas:
- O Haiti é aqui, que merda.
ou
- O Haiti é aqui, que lindo.

Antes de mais nada é preciso pontuar que há um problema de amostragem sério a ser observado. Há um viés que, na minha falta de conhecimento de um termo melhor, chamarei de viés de importância. Então, se você viu no face ou na rua 12 pessoas escrevendo/falando algo como a primeira e 6 pessoas escrevendo/falando a segunda, lembre-se que você tem entre 500 e 1000 amigos, parentes ou conhecidos que também notaram a presença dos haitianos, mas a grande maioria não se importou o suficiente para emitir uma opinião. E, como sempre acontece em questões sociais, a grande maioria está em uma posição moderada sobre o tema. Não se deve, portanto, tirar conclusões do 12 x 6 de qualquer tipo. 
Isto posto, quero relatar minha impressão sobre o caso. Vamos começar com uma descrição simples: o Haiti sofreu 3 grandes tragédias nos últimos 12 anos (para arredondar a conta): um revolta em 2004 que derrubou o governo, uma tempestade tropical que deixou 3 mil mortos no mesmo ano e um devastador terremoto em 2010, com mais algo entre 46 e 85 mil mortos e centenas de milhares de desabrigados. É muito, ainda pior para um país com 10 milhões de habitantes. E então muitos deles optaram por se refugir em outros países.
Mas olhemos o mapa abaixo:

mapa da América Centra, Caribe e parte de América do Sul e do Norte

Quem quer fugir do Haiti precisa de um barco para ir a qualquer outro país... exceto a República Dominicana, a outra metade da ilha por onde se vai a pé. De barco, as opções mais próximas são Cuba, Jamaica, Colômbia, Venezuela, Bahamas, Estados Unidos e México. Não citei países de menor importância mas quero deixar claro que tem bastante lugar mais perto deles do que o Brasil. Escolher o Brasil é, no mínimo, mas trabalho para quem está em necessidades e precisa de um chão para dormir e um prato de comida pra ontem.
Além disso, nenhum desses países fala francês como eles. A opção mais próxima para se falar bon jour, exceto duas ilhotas no caminho, claramente é a Guiana Francesa, que é parte integrante da França. Não sei dizer se haitianos foram acolhidos em algum desses países, mas certamente eram opções melhores que o Brasil.
Daí não entendo, mesmo, o esforço feito pelo governo do PT em trazê-los para cá. Sim, amigo leitor, é coisa do PT, que não apenas os trouxe, mas os enviou para o Acre, estado dominado pelo PT dá décadas. Desculpa, gente, não consigo mais aceitar explicações humanitárias em nada do que o PT faz.
E tinha como acabar diferente, o Acre não deu conta dos refugiados e passou a enviá-los para... São Paulo. Nada de Rondônia, Mato Grosso ou Mato Grosso do Sul (que ficam no caminho de quem vem de ônibus, mas São Paulo).
Sim, tem caroço nesse angu. Ainda mais se você pensar que os caras estão em dificuldades desde, no mínimo, 2010. Por que esperar 5 anos para mandar um refugiado para um lugar seguramente melhor ?
Definitivamente, tem caroço nesse angu.

Daí os caras chegam aqui, mal falando português e começam a lutar por suas vidas. E quando eu imaginei uma nova leva de trabalhadores na construção civil, como foram os nordestinos nos anos 60 a 80, fui surpreendido com... camelôs.
Ei, péra aí. O camelô precisa entender alguma coisa do que vende e precisa falar a língua local. E não adianta da uma de chinês e dizer "tlinta" sem saber o que é "tamanho grande". Notei um aumento na presença deles no segundo semestre de 2014. No final do ano, chegou o momento de fazer um contato, e comprei uma camisa de futebol para uma festa de final de ano da empresa. A negociação correu bem tranquila e o rapaz entendeu "maior" sem nenhum problema. Na ocasião, eu medi a camisa do Palmeiras em um colega corinthiano e o cara se afastou: "tira isso de perto de mim". Típica piada de boleiros brasileiro, o rapaz haitiano entendeu e riu conosco. Nova surpresa nisso. Esta semana, comprei um fone de ouvido de outro deles, na mesma região. R$ 10 por um fone excelente, com microfone ainda por cima. 
Gente, esses caras não vieram aqui a passeio, vieram a trabalho. Estão lutando com garras afiadas por um lugar na nossa sociedade. E estão conseguindo. Se um camelô não é exatamente um emprego formal, certo que não se trata de um bandido. 
Não sei o quanto um camelô é um empreendedor e o quanto ele é um elo em uma cadeia maior de suprimentos. Mas é certo que há uma dose de cada.
Sei que isso é uma amostragem besta. Já soube de haitianos trabalhando como frentistas, garçons, açougueiros, cozinheiros e, claro, construção civil. Mão de obra pouco especializada, mas dentro do tal "sistema". 


Isso me leva aos que os odeiam. Podem me explicar por que ? Sim, eu sei que já tínhamos, e temos, nossos próprios problemas aqui. Vejo sem teto e cracoleiros quase diariamente nos 2km que caminho entre minha casa e meu ponto do fretado. Será que esses brasileiros não precisavam de ajuda antes de irmos contratar mais gente precisando de ajuda no Haiti ? Sim, sem dúvida.
Só que neste momento, vejo os haitianos muito mais como solução do que como problema. Estão trabalhando, ganhando suas vidas honestamente e se integrando a nossos hábitos e nossa cultura. Gostei disso. E enquanto escrevo, por que o tais sem teto e cracoleiros não estão trabalhando e tantando sair da situação em que estão, hein ?

Então peço aos que se ressentem deles que repensem suas posturas. Deixa o haitiano trabalhar

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